A ideia de bem de família é uma das mais conhecidas e, ao mesmo tempo, mais mal compreendidas do direito brasileiro. Criada pela Lei nº 8.009/1990, ela garante que o imóvel usado como residência da entidade familiar seja impenhorável, ou seja, protegido contra a maioria das dívidas civis, comerciais e fiscais do devedor.
Mas há exceções importantes e nelas, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem papel decisivo, recentemente, a Corte fixou teses de repercussão geral que consolidaram o entendimento de que o imóvel do fiador pode ser penhorado tanto em locação residencial quanto comercial, o que alterou por completo a dinâmica das execuções imobiliárias.
A seguir, entenda de forma clara e objetiva os fundamentos, mitos, verdades e estratégias práticas para aplicar a Lei nº 8.009/90 conforme a posição atual do STF e do STJ.
Sumário
- 1. Fundamentos e posição do STF
- 2. Mitos comuns (e por que estão errados)
- 3. Verdades consolidadas e zonas cinzentas
- 4. Aplicação prática: como argumentar
Saiba como lutar pelo seu direito neste guia definitivo, elaborado pelo Dr. Giovanni Fideli, especialista em Direito Imobiliário do escritório Giacaglia Advogados!
1. Fundamentos e Posição do STF
A Lei nº 8.009/90 consagra o princípio da impenhorabilidade do bem de família, estabelecendo que o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar é insuscetível de penhora por qualquer tipo de dívida.
O artigo 3º da lei, porém, traz exceções expressas, que incluem:
- dívidas relativas a tributos do próprio imóvel;
- financiamento ou garantia do próprio bem;
- pensão alimentícia;
- obrigação decorrente de fiança locatícia (validada pelo STF).
Essas exceções formam a base das principais discussões judiciais sobre a penhorabilidade ou não do imóvel familiar.
O STF firmou dois precedentes centrais sobre o tema:
- Tema 295 (RE 612.360) – Constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador em locação residencial;
- Tema 1.127 (RE 1.307.334) – Extensão da mesma tese às locações comerciais.
Ambos afirmam:
“É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial.”
Essas teses possuem efeito vinculante, ou seja, devem ser seguidas por todos os tribunais do país.
Embora não haja súmula específica do STF sobre o tema, a tese de repercussão geral consolidou o entendimento de que o fiador não se beneficia da impenhorabilidade, por ter assumido voluntariamente o risco da fiança.
Além disso, o STF firmou entendimento complementar no Tema 961, reconhecendo que a pequena propriedade rural familiar é impenhorável, mesmo quando composta por mais de um terreno contíguo, desde que o total não ultrapasse quatro módulos.
2. Mitos Comuns (e Por Que Estão Errados)
2.1 “Bem de família nunca pode ser penhorado.”
Falso.
A Lei nº 8.009/90 traz exceções expressas no artigo 3º. E o STF confirmou, em repercussão geral, a penhorabilidade do bem de família do fiador em locações residenciais e comerciais.
2.2 “Fiador está protegido como qualquer família.”
Falso.
Ao aceitar ser fiador, a pessoa renuncia parcialmente à proteção do bem de família, o STF entendeu que essa renúncia é legítima, pois é ato de vontade consciente e voluntário (Temas 295 e 1.127).
2.3 “Imóvel de alto padrão perde a proteção.”
Falso.
O STJ já decidiu que o alto valor do imóvel não afasta a impenhorabilidade, desde que ele seja utilizado como residência da família, o importante é o uso residencial, não o valor de mercado.
2.4 “A proteção só vale para famílias tradicionais.”
Falso.
A Súmula 364 do STJ afirma que o benefício também se estende a solteiros, separados e viúvos que usam o imóvel como moradia. O conceito de “entidade familiar” é interpretado de forma ampla, acompanhando a evolução social.
Box “Mito x Verdade”
Mito | Verdade |
---|---|
Bem de família é absolutamente impenhorável. | Existem exceções legais no art. 3º da Lei 8.009/1990 e a do fiador foi confirmada pelo STF. |
Imóvel caro perde a proteção. | O critério central é o uso como moradia, não o valor. |
Fiador tem o mesmo direito que o inquilino. | O STF validou a penhora do bem do fiador (residencial e comercial). |
Pode alegar impenhorabilidade a qualquer momento. | O STJ entende que o pedido deve ser feito antes da arrematação do imóvel. |
3. Verdades Consolidadas e Zonas Cinzentas
3.1 A exceção do fiador prevalece
As teses do STF (Temas 295 e 1.127) possuem efeito vinculante.
Logo, mesmo que o imóvel seja o único bem da família, ele pode ser penhorado se o proprietário for fiador de contrato de locação.
3.2 Outras exceções do art. 3º da Lei nº 8.009/90
A penhora é possível em situações específicas:
- tributos do próprio imóvel (IPTU, taxas, contribuições);
- hipoteca ou financiamento do próprio bem;
- obrigação alimentar;
- fiança locatícia.
Essas hipóteses devem ser interpretadas de forma restritiva, pois limitam o direito fundamental à moradia.
3.3 Pequena propriedade rural familiar
O STF (Tema 961) reconheceu a impenhorabilidade da pequena propriedade rural explorada pela família, mesmo quando formada por mais de uma gleba contígua, o foco é preservar a função social da terra e o direito à subsistência.
3.4 Alegação de impenhorabilidade: prazo e forma
O STJ entende que a alegação deve ser feita antes da arrematação do imóvel, sob pena de preclusão.
Assim, a defesa deve ser apresentada por:
- exceção de pré-executividade;
- embargos à execução; ou
- petição simples antes do leilão.
Após a arrematação, o pedido tende a ser indeferido.
4. Aplicação Prática: Como Argumentar
4.1 Checklist Inicial
Antes de formular o pedido de impenhorabilidade, o advogado deve:
- Comprovar residência efetiva no imóvel (contas, correspondência, matrícula, fotos, cadastro fiscal);
- Confirmar enquadramento na Lei nº 8.009/90;
- Verificar se há alguma exceção do art. 3º aplicável;
- Em imóveis rurais, analisar módulo fiscal e contiguidade.
4.2 Estratégias do Executado (Devedor)
- Fato: Demonstrar uso residencial do imóvel como moradia da família;
- Direito: Sustentar a aplicação da Lei nº 8.009/90 e precedentes do STJ (Súmula 364);
- Processo: Alegar a impenhorabilidade o quanto antes (em embargos ou exceção de pré-executividade).
4.3 Estratégias do Exequente (Credor)
- Mapear exceções aplicáveis (art. 3º).
- Sustentar a tese do fiador conforme os Temas 295 e 1.127 do STF.
- Demonstrar que o imóvel não é utilizado como moradia ou pertence a pessoa jurídica.
4.4 Modelagem de Pedidos
Para o executado (devedor):
- Reconhecimento da impenhorabilidade;
- Substituição ou levantamento da penhora;
- Expedição de ofício para baixa junto ao registro de imóveis;
- Prova documental da residência.
Para o credor (exequente):
- Autorização de praça e leilão, caso incida exceção legal;
- Invocação expressa das teses do STF para fiança locatícia.
4.5 Argumentação equilibrada
A aplicação prática da Lei nº 8.009/90 exige ponderação entre o direito à moradia e a efetividade da execução.
A jurisprudência do STF e do STJ caminha para proteger a moradia sem anular a boa-fé dos credores, especialmente nos casos em que o devedor voluntariamente assumiu obrigações como fiador.
Conclusão
O bem de família é um dos institutos mais relevantes da proteção jurídica do lar no Brasil, mas também um dos mais mal interpretados.
A regra é clara: impenhorável, mas com exceções legalmente previstas.
A atuação do STF pacificou o tema da fiança locatícia, estendendo a penhorabilidade para contratos residenciais e comerciais. Já o STJ continua a aperfeiçoar as balizas de aplicação prática, reafirmando que o valor do imóvel ou o estado civil do morador não afetam a proteção.
Portanto, quem atua em execuções ou defesas patrimoniais precisa dominar as teses do STF e os precedentes do STJ, para evitar tanto abusos de penhora quanto alegações indevidas de impenhorabilidade.
O escritporio Giacaglia Advogados Associados atua na defesa de executados e credores em ações de penhora e execução, com foco em proteção patrimonial e direito imobiliário estratégico.
Se você está enfrentando uma execução, penhora indevida ou quer planejar a proteção jurídica do seu patrimônio, entre em contato e saiba como garantir segurança jurídica com base nas teses do STF e do STJ.